Anistia, há 20 anos...
Nos idos de 1975, quando, no Presídio Político de São Paulo (o Barro Branco), começamos a pesquisar a anistia na história do Brasil e discutir seu significado político, não esperávamos que a luta tomasse aquele rítimo e que, quatro anos depois, os presos estivessem saindo da cadeia. Afinal, ali se encontravam companheiros condenados a elevadas penas, de bem mais que 30 anos. Muitos já se encontravam encarcerados há 5, 8, 10 anos. E a ditadura ainda parecia sólida. Novos presos saídos da tortura na Sucursal do Inferno, como os torturadores chamavam a Operação Bandeirantes (OBAN), continuavam a chegar.
O presídio foi uma grande escola para todos nós. Ali discutíamos, estudávamos, fazíamos a nossa autocrítica dos erros do passado; continuávamos a sonhar com um reino de liberdade e justiça; travávamos lutas com as poucas armas que dispunhamos, entre elas as nossas vidas, com as greves de fome; e a nossa escrita, fazendo sair clandestinamente documentos de denúncia das torturas sofridas e testemunhadas. O nosso Presídio, que intitulávamos de Político, e que o Secretário de Segurança de então, o coronel Erasmo Dias, chamava de “a célula comunista mais bem organizada do Brasil”, fez de tudo um pouco. Até um criativo artesanato que vendíamos para ajudar as despesas e as famílias, quando não era reprimido e controlado.
Lá nos encontrávamos, entre tantos, os atuais deputados José Genoino e Haroldo Lima; o ex-deputado Marco Antonio Coelho; o ex-líder sindical marítimo Osvaldo Pacheco; o jornalista Jair Borin. Lá fazíamos cartas e recebíamos respostas, mesmo submetidas a censura, umas e outras, como as de Alceu de Amoroso Lima, Sobral Pinto, Hélio Silva, Olney São Paulo, todos os quatro que já se foram... E as visitas... Não apenas nossas famílias e amigos, mas gente famosa, artistas, como Gonzaguinha, Sérgio Ricardo, que faziam vibrar a corda de suas violas em nossos sábados de visita.
De fato, coronel Erasmo, nas piores condições de vida, o homem consegue alimentar um sopro de esperança, lutar e vencer!
Com a anistia, mesmo que parcial, vencemos. Sobre nós foi deitado o véu de eterno esquecimento sobre aqueles ditos crimes, os nefandos crimes políticos, uma chaga liberticida! É bem verdade que deixamos para trás os companheiros mortos e desaparecidos. Mas deles guardamos a lembrança e o exemplo para sempre.
Quanto aos torturadores, mesmo que efetivamente tenham se tornado inimputáveis, jamais serão esquecidos não apenas pelas vítimas, seus familiares, amigos e companheiros: mas por todo o povo brasileiro que não esquecerá as iniquidades daquele período negro, para que elas jamais voltem a ocorrer!
* Baiano, Roberto R. Martins, foi preso político em São Paulo, entre 1973/77; é autor de Liberdade para os Brasileiros - Anistia Ontem e Hoje, cuja pesquisa foi iniciada na prisão.