A liberdade começou em Pernambuco
Tereza Rozowykwiat
Da equipe do DIÁRIO
Pernambuco foi o
primeiro estado da Federação a libertar seus presos políticos. Para isso, foi
decisiva a atuação do juiz auditor da 7ª Circunscrição Judiciária Militar,
Theódulo Rodrigues Miranda, que reunindo sensibilidade e competência, conseguiu
colocar em liberdade quatro prisioneiros no mesmo dia em que a lei foi
sancionada: Selma Bandeira Mendes, Aparecida dos Santos, Valmir Costa e Edilson
Freire Maciel. Os demais, não puderam ser soltos porque eram acusados por
crimes de "terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal".
Paralelamente, Miranda providenciou a documentação que permitia a volta dos
exilados e o reaparecimento dos que viviam na clandestinidade. Hoje, decorridos
vinte anos, Theódulo Miranda admite que pagou um preço alto pelo seu
pioneirismo. Transferido para o Rio de Janeiro, foi afastado de suas funções,
às quais só retornou 12 anos depois, por força de uma decisão judicial. Miranda
aposentou-se no ano passado e hoje atua como advogado.
Ao comemorar os
20 anos da anistia, o ex-auditor militar confessa a sua perplexidade diante do
comportamento de alguns anistiados ou dos que lutavam pela retomada do Estado
de Direito. Dentre eles, cita o presidente Fernando Henrique e o governador
Jarbas Vasconcelos. "As coisas mudaram muito. Principalmente na cabeça dos
que foram perseguidos ou denunciavam perseguições. Quem imaginaria que o
sociólogo e exilado Fernando Henrique abandonaria suas idéias e passaria a agir
como vem fazendo na Presidência da República? Quem imaginaria que o combativo
Jarbas Vasconcelos estaria aliado com o PFL?", questiona.
Theódulo Miranda
explica que para viabilizar a soltura dos presos tão logo foi sancionada a Lei
de Anistia, passou os dois meses anteriores pesquisando a situação de cada
detento, de forma que no dia 28 de agosto de 78, só não os libertaria se não
quisesse, porque estava com os alvarás de soltura prontos, assim como com as
cartas de guia para foragidos e exilados.
A Lei de Anistia
foi assinada pelo general João Figueiredo às 9h e às 10h47 minutos era
oficialmente anunciada pelo ministro Said Farhat. Eram 15h35 quando Theódulo
Miranda tomou conhecimento do fato através de um telex do Superior Tribunal
Militar, assinado pelo procurador geral da Justiça Militar, Menezes da Costa.
Confirmou a informação por telefone e às 16h assinava os alvarás de soltura e
revogava os mandados de prisão de Miguel Arraes, Francisco Julião, Gregório
Bezerra e mais 98 condenados pelo Conselho Militar. Momentos depois,
determinava que funcionários se deslocassem ao Bom Pastor e à Penitenciária
Barreto Campelo para que a soltura dos presos fosse viabilizada.
"O problema
do Brasil é que, os que fazem as coisas como elas precisam ser feitas ganham
notoriedade e isso é um absurdo", declara o ex-juiz auditor, para quem a sua
atitude não teve mérito especial. Segundo ele, o problema mais sério que
enfrentou na Auditoria Militar foi com os presos que reivindicavam liberdade
condicional. "Teoricamente, eles tinham direito. Mas os pareceres do
Conselho Penitenciário e do Ministério Público eram contrários. Mesmo indo de
encontro aos pareceres, concedi a liberdade", explicou.
Theódulo Miranda nasceu no Recife, mas
trabalhava do Rio de Janeiro. Assumiu a Auditoria Militar do Recife em março de
1978. Um ano depois da Anistia foi mandado de volta para o Rio e demitido sob a
alegação de que não tinha sido submetido a concurso público. Isso acontecia
depois de 14 anos de serviço à Justiça Militar. Miranda era considerado um juiz
liberal, descontraído e de mentalidade aberta. Havia atuado no caso Para-Sar,
no episódio que envolveu Cajá, no processo que investigava as atividades do
Partido Trotskista do Brasil e no processo de subversão do Galeão.
Matéria do jornal O Diário de Pernambuco – 28/09/99.