Nenhum partido ou organização política pode reivindicar a paternidade da idéia da anistia. De conteúdo mais restrito ou mais amplo, ela sempre nasce, cresce e acaba por prevalecer na superação dos regimes autoritários, convertendo-se em momento importante de unidade dos povos, quando são buscados novos caminhos para a organização de sociedades democráticas. Ou seja, o instituto da anistia é uma conquista da humanidade e faz parte da afirmação do processo civilizatório. Oxalá, no século XXI ela se transforme em peça e museu pela sua desnecessidade.
Se não podem inventá-la, os partidos cumprem com o decisivo papel de implementar a sua conquista. E nesse contexto podemos avaliar, com clareza, o grau de compromisso das forças políticas com o ideário da liberdade.
O PCB - Partido Comunista Brasileiro -, antecessor do PPS, em seu VI Congresso, realizado clandestinamente em 1967, definiu como centro da luta política contra o regime militar a questão das liberdades democráticas, tendo por bandeiras as eleições diretas em todos os níveis, a convocação de uma assembléia constituinte e, como passo inicial de mobilização, a anistia. Não se deixando levar pelo equívoco da luta armada e nem pela impaciência, o partidão compreendia que a anistia, indo além da resistência, atuaria como mais um elemento de unidade e organização no longo processo de construção da Frente Democrática, caminho por nós avaliado como o mais eficaz politicamente para isolar e derrotar a ditadura.
A decisão do PCB iria desempenhar importante papel na política brasileira. Levou os comunistas a atuarem com mais ousadia no interior de um MDB ainda acuado e tímido frente às restrições ditatoriais. E com a iniciativa dos comunistas, os democratas e liberais passaram também a sentir a necessidade de afirmar com mais clareza seus posicionamentos. Lembremos que nessa ocasião a maioria dos partidos e forças de esquerda negava-se a atuar no interior dos chamados espaços institucionais, particularmente o MDB, este à época liderado pelo deputado Pedroso Horta.
A adoção da anistia como bandeira propositiva de luta, mesmo no interior da oposição, não foi uma tarefa tão fácil como pode parecer nos dias de hoje. Ela emerge com força no cenário público somente em maio de 71, quando o MDB realiza encontro nacional em Recife. E mesmo assim, sob intensa polêmica, que dividia o plenário em praticamente dois blocos diferenciados.
A favor da Anistia e da Constituinte teses apresentadas pela bancada pernambucana, despontavam figuras emergentes na luta de resistência como Marcos Freire, Fernando Lyra e Jarbas Vasconcellos, os gaúchos Nadir Rosseti, Alceu Colares e Getúlio Dias, o paulista Freitas Nobre, o maranhense Freitas Diniz, o carioca Lisâneas Maciel e tantos outros que, mais tarde, formariam junto conosco, comunistas do PCB, o chamado grupo Autêntico do MDB. Contra, em nome da prudência e entendendo que não era momento oportuno para atiçar o regime, uniram-se democratas de peso, dentre outros, como Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Thales Ramalho e Paulo Brossard.
A Carta de Recife era a alforria que faltava para a anistia começar a ganhar as ruas e as consciências democráticas da cidadania. E também o instrumento decisivo para barrar as propostas de autodissolução do MDB, uma postura equívocada que naquela ocasião assolava parcelas da esquerda do partido, pessimistas pela fragorosa derrota sofrida na eleição de 1970.
Um importante jornal de circulação nacional, fazendo coro às vozes mais conservadoras do MDB, estampava em editorial que a carta de Recife na verdade era inspirada pelos comunistas e que, por isso, não prosperaria. Acertou no diagnóstico e nós, do PPS, nos orgulhamos disso; mais importante, errou na previsão.
A conquista da
anistia que permitiu a vinda dos exilados e incorporou à política nacional
cidadãos proscritos e perseguidos politicamente, foi obra de milhares de
democratas brasileiros. Muitos deles estão entre nós, outros se fazem
presentes pela lembrança e cito, pela coincidência trágica, o companheiro
Odijas Carvalho, jovem comunista, torturado e assassinado pela polícia
pernambucana, dois meses antes do já mencionado encontro do MDB que, inclusive,
lhe rendeu homenagem.
O PPS, antes PCB, não chama a hitória para si, mas apenas acentua que faz
parte dela, com páginas dignas e personagens honrados.
A anistia, conquistada em 79 ajudou a impulsionar a luta pela constituinte e pelas eleições diretas, recolocando o Brasil no leito da normalidade democrática. Essa conquista abriu a perspectiva para que alternativas se confrontassem no pluralismo democrático na busca de soluções para as graves distorções econômicas e sociais que nos afetam há tantas décadas.
De nossa parte, manteremos a nossa luta pela permanente ampliação das liberdades e da democracia. E rejubilados pela comemoração dos 20 anos de uma iluminada vitória política, proclamamos: é responsabilidade de todos nós anistiar os milhares de brasileiros da exclusão social e da pobreza, sem demagogia e sem oportunismo pirotécnico, tão em moda ultimamente.
Artigo de Roberto Freire,
especial para o Jornal de Brasília, publicado em “Anistia 79, 20 anos”, edição
de 11/08/99.