Abertura política na tela

Cineastas se dedicaram à documentação
de atos e histórias de operários, presos políticos,
exiladose líderes de associações de moradores

 

São Paulo - Os cineastas brasileiros deram significativa contribuição ao debate sobre a “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”, palavra de ordem que tomou conta do Brasil na segunda metade dos anos 70. Quando o presidente recém-empossado, João Baptista Figueiredo, sancionou a lei do perdão, em 28 de agosto de 1979, os cineastas faziam planos para documentar, o mais que pudessem, a volta dos exilados.

O brasiliense Armando Lacerda registrou a chegada do pernambucano Miguel Arraes da Argélia e, em 1983, lançou o curta Arraes Taí. Zelito Viana filmou a chegada de Luiz Carlos Prestes, o líder comunista que vivera seu longo exílio em Moscou, mas não editou o material. Confessa, agora, passados 20 anos, que está “louco para projetar as imagens, mesmo que em estado bruto” para os amigos e interessados.

Quem agiu com urgência e no calor da hora foram os cineastas Noilton Nunes e Joatan Vilela. O primeiro realizou o curta Leucemia, em 78, para lançamento em plena campanha da Anistia. O filme inspirou-se em história verdadeira (a da militante e, hoje, produtora de cinema, Maria Senna). Ela e o marido enfrentaram grave problema em Lisboa (Portugal). Interpretada por Dilma Lóes, a personagem precisa entregar o filho a terceiros, pois um mal a atormenta (a leucemia).

Joatan, por sua vez, realizou documentário - Eunice, Clarice e Tereza - com três viúvas de presos políticos desaparecidos em condições ainda hoje misteriosas (caso do deputado Rubens Paiva, marido de Eunice) ou assassinados em cárceres militares (o jornalista Vladimir Herzog, marido de Clarice, e o operário Manuel Fiel Filho, marido de Tereza).

Os dois filmes foram reunidos no número 16 da coleção Brasilianas (CTAv-Funarte) sob o título Anistia no Cinema. Na apresentação da fita (que pode ser solicitada pelo fone (21)-580-3631), o cineasta e professor da UFF, Sérgio Santeiro, lembra que, ao assistir aos dois filmes, o espectador estará diante de “um cinema brasileiro que não fechou os olhos à sua volta” e serve para “guardar, para que saibam os que não viveram os terrores - a luta pela vida - dos anos 70 no Brasil”.

Enquanto os jovens documentaristas do Rio se reuniam em torno da Corcina (Cooperativa de Cinema) e faziam filmes sobre temas políticos (como a anistia, a organização das primeiras associações de bairro, etc), em São Paulo, professores e alunos da ECA-USP (Escola de Comunicação e Arte) voltavam suas câmeras para o ABC paulista. Lá, florescia o movimento sindical, que vivera largo período de silêncio.

Em torno do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, onde despontava a liderança do operário Luiz Inácio da Silva, o Lula, foram realizados muitos filmes. João Batista de Andrade assinou vários deles. Seus alunos na ECA, também. Fora do alcance da USP, agia um militante de esquerda, ex-preso político, Renato Tapajós. A eles veio se somar o carioca Leon Hirszman (1937-1987), que - apaixonado pela luta dos metalúrgicos - realizou dois longas-metragens: o documentário ABC da Greve (concluído postumamente) e o ficcional Eles Não Usam Black-Tie, atualização da peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri, ambientada inteira no ABC paulista.

João Batista de Andrade realizou, no calor da hora, o curta Greve (1979). Seus jovens discípulos, Sérgio Toledo e Roberto Gervitz realizaram o longa-metragem Braços Cruzados, Máquinas Paradas (78/79). Cláudio Kahns, por sua vez, daria início ao curta Santo e Jesus, Metalúrgicos, concluído em 1983. No mesmo ano, Marlene França lançaria Frei Tito, tocante documentário sobre o frei dominicano (Tito de Alencar), que - depois de muitas sessões de tortura e de período vivido no exílio francês, recorreu ao suicídio.

No eixo Brasília-Alagoas, Vladimir Carvalho realizou o filme que teve o arauto da Anistia, o senador alagoano, Teotônio Vilela, como personagem. A cinebiografia O Evangelho Segundo Teotônio ilustra, como nenhum outro título, o que foi a luta pela anistia no Brasil.

Maria do Rosário Caetano
Correspondente do Jornal de Brasília

 

Matéria publica em “Anistia de 79, 20 anos”, caderno especial do Jornal de Brasília – Edição de 11/08/99.