Trecho do livro/A Folha Dobrada

 

Estávamos em 1977 - 13º ano de chumbo, da ditadura militar

Havia em mim um sonho. Um sonho? O que em mim fervilhava era muito mais do que um sonho. Era um almejo ardente, um anelo dominante. Era uma idéia arrebatadora. Era um projeto: o projeto de uma proclamação desassombrada - incontido desabado de minha alma, reflexo da alma flagelada de meu País. Era uma conjetura: a conjetura de um manifesto revolucionário - brado carismático por liberdade e pelo Estado de Direito.

Das Arcadas do Largo de São Francisco do Território Livre da Academia de Direito de São Paulo, eu queria dirigir a todos os brasileiros minha Mensagem de Aniversário - uma alocução veemente, que fosse uma proclamação de princípios de nossas convicções políticas.

Nós estávamos convictos de que a fonte genuina da ordem pública não é a força, mas o poder. Para nossa consciência jurídica, o poder emana do povo; é produto da manifestação popular. A força é outra coisa. É a imposição das armas.

A força não deve nunca ser mais do que instrumento a serviço do poder. Nós denunciávamos como ilegítimo todo governo fundado na força. Legítimo somente é o governo que seja órgão do poder.

Para nós, ilegítimo é o governo cheio de força e vazio de poder.

Reconhecíamos que o chefe do governo é o mais alto funcionário nos quadros administrativos da Nação. Mas negávamos que ele seja o mais alto poder de um País. Acima dele, reina o poder de uma idéia: reina o poder das convicções que inspiram as linhas mestras da política nacional. Reina o senso grave da ordem, que se acha definido na Constituição.

Proclamávamos a soberania da Constituição.

Sustentávamos que nenhum ato legislativo pode ser tido como lei superior à Constituição.

Uma lei só é válida, dizíamos, se a sua elaboração obedecer aos preceitos constitucionais, ou seja, às normas do processo legislativo. Ela só é válida se suas disposições não se opuserem ao pensamento da Constituição.

Observávamos que a Constituição também é uma lei. Mas é Lei Magna. O que, antes de tudo, a distingue nitidamente das outras leis é que sua elaboração e seu mérito não se submetem a disposições de nenhuma lei superior a ela. Aliás, não podíamos admitir como legítima lei nenhuma que lhe fosse superior.

Afirmávamos que a fonte legítima da Constituição é o povo.

Sustentávamos, também, que só o povo, por meio de seus representantes no Congresso Nacional, tem competência para emendar a Constituição. Sustentávamos que as emendas na Constituição não se podem fazer como se fazem as alterações na legislação ordinária. Na Constituição, as emendas precisam ser apresentadas, processadas e aprovadas em conformidade com preceitos especiais que a própria Constituição estabelecia, preceitos estes que têm por fim conferir à Lei Magna do Povo uma estabilidade maior do que a das outras leis”.

Goffredo Telles Junior

 

Matéria publicada em “Anistia de 79, 20 anos”, caderno especial do Jornal de Brasília – Edição de 11/08/99.