Cadê a MPB que estava aqui?

por JOSÉ TELES

Antecipando-se em cinco anos ao questionamento de Rita Lee, em Arrombou a Festa, em 1974, o zeloso ministro da Educação, Ney Braga, enviava ofício ao Departamento de Assuntos Culturais do seu ministério querendo saber o que aconteceu com a MPB, e pedindo para "iniciar uma sondagem entre compositores, pesquisadores, e órgãos de produção e divulgação a fim de descobrir as causas da aparente decadência da música popular brasileira e se possível saná-las". Santa inocência!

Se houvesse lido, neste mesmo ano, uma entrevista de Elis Regina, à revista Veja, o ministro não teria perdido tempo em ocupar seus aspones com o óbvio ululante: "Por uma série de razões, algumas delas muito conhecidas, nos últimos anos um imenso vazio vem sufocando a música brasileira. A partir desta triste constatação, estou procurando coisas antigas, que possam ser apresentadas com arranjos de agora, como fossem atuais ou mesmo inéditas", declarava a cantora, futura intérprete da canção que celebrava, em 78, o iminente decreto da anistia, O Bêbado e a Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc.

A mesma Elis Regina viu-se execrada por colegas por ter aceito cantar nas Olimpíadas dos Exército, em 72. A redimida Elis que, acareada por militares, em 71, para que esclarecesse suas relações com notórios inimigos do regime, escreveu de próprio punho o depoimento: "...Com referência a minha participação em grupos de artistas integrados com movimentos de conotação política, ou de contestação, quero esclarecer que a mesma se restringia à apresentação do programa O Fino da Bossa, da TV Record, São Paulo."

Com a fechadura imposta pelo AI-5, em 1968, só restou aos artistas não-solidários ao regime (poucos, por sinal) uma saída: o aeroporto. E nem sempre por vontade própria. Ricardo Villas, vocalista do Momento Quatro, saiu entre os banidos em troca do embaixador americano Burke Elbrick. Só voltou ao País com a anistia, quando formou dupla com sua mulher, Teca Calazans. As mais famosas saídas foram de Gilberto Gil e Caetano Veloso, para Londres, após temporada nos porões da ditadura.

O mais odiado de todos os compositores da época, Geraldo Vandré, tornou-se um foragido depois da vitoriosa Caminhando (Para Não Dizer Que Não Falei De Flores). Amigo de Vandré, a quem acompanhou, junto com Naná Vasconcelos, nos últimos shows do artista no Brasil, Geraldo Azevedo testemunhou de perto a saga do paraibano, e neste período conturbado até compuseram Canção da Despedida: "Para visitar o cara precisava pegar uns três ônibus, tomar as maiores precauções", recorda Azevedo. A música que fizeram juntos foi criada em pedaços. Uma parte na casa de Guimarães Rosa, outra no apartamento da atriz Marisa Urban, jurada do programa de Flávio Cavalcante (que apoiava o regime) e namorada de Vandré.

"Não era uma coisa direta... Nenhum de nós recebeu convite para se retirar. Mas havia um convite ali, sabe? O clima não tava legal de ficar", recorda anos depois, Edu Lobo, que, na barra pesada, mudou-se para Los Angeles. No ano em que Ney Braga preocupava-se com a MPB, Chico Buarque voltava de um exílio forçado na Itália e declarava à jornalista Ana Maria Bahiana, considerar-se um ex-compositor. A diáspora levou ao exterior Toquinho, Taiguara, Fábio (que cantava músicas românticas, mas tinha idéias subversivas), e Raul Seixas.

A ditadura não achou beleza no baiano maluco. "Até hoje eu não sei qual foi o motivo. Mas veio uma ordem de prisão do I Exército. Me levaram para um lugar que eu não sei onde era... tinha uns cinco sujeitos... bom eu estava nu, com uma carapuça preta. E veio de lá mil barbaridades: choques em lugares delicados... tudo para eu poder dizer os nomes das pessoas que faziam parte da sociedade alternativa que, segundo eles, era um movimento revolucionário contra o Governo, o que não era", assim Raul Seixas repassou sua ida aos porões a ditadura, em 87, à revista Bizz (atual Showbizz). Depois de libertado, o artista foi convidado a ausentar-se do País. Ele se decidiu pelos EUA, amparado pela garantia de ser casado na época com uma americana.

 

Matéria do Jornal do Commercio - 29/09/99.