Geraldo Azevedo quase perde o gosto pela música

 

 

Com o pernambucano Geraldo Azevedo a ação policialesca foi mais violenta. Na primeira de suas duas detenções patrocinadas pela ditadura militar, junto com sua mulher na época, ele sofreu tanto nas mãos dos torturadores, que perdeu o gosto pela música: "Não entendia como pode ter acontecido uma coisa daquelas comigo - comenta ele 25 anos depois - eu não pertencia a partidos políticos, nunca fiz nada de ruim contra ninguém".

Por causa da prisão, ele quase se torna mais um ex-compositor no currículo da ditadura. Quem o resgatou da prancha de desenhista de uma agência de publicidade, onde ele passou a trabalhar, foi o conterrâneo Alceu Valença.

Geraldo Azevedo lembra do amigo Alceu Valença chegando cedinho em sua casa e com o mesmo assunto: música. Ele acabou cedendo à insistência do amigo e retomou a carreira de cantor e compositor. Mas continuou por algum tempo na mira dos militares.

Em 1976, por causa de um abaixo-assinado, encontrado em seu apartamento, o autor de Dia Branco foi levado, novamente com a esposa, para a temível Ilha das Flores, no Rio de Janeiro. Desta vez as sessões de tortura foram ainda mais cruéis. Ele conta que, mal chegou na prisão, testemunhou a morte de um preso, um prenúncio de que aquela temporada no inferno seria pior do que suas piores expectativas.

Paradoxalmente foi nesta sua segunda e derradeira prisão que Geraldo Azevedo decidiu de uma vez por todas que seria um artista famoso: "Falei pra mim mesmo que quando saísse dali iria fazer muita música, mas muita música mesmo, pra fazer sucesso."

Na cadeia ele não chegou a ter inspiração para compor. Os carcereiros, no entanto, possuíam maldade suficiente para aumentar o som do televisor, quando a canção Caravelas tocava na novela Gabriela da Globo, e seu autor amargava uma sessão de pau-de-arara.

 

Matéria do Jornal do Commercio - 29/09/99.