"Só minha mãe acreditou nessa história de pena de morte"

 

Ele foi o primeiro brasileiro condenado à morte na era republicana. Hoje, na parede da sala da casa de Theodomiro Romeiro dos Santos, 47 anos, uma foto registra o momento da leitura da sentença. O ano: 1970. O crime: o assassinato de um militar. Nove anos depois, às portas da anistia, Theodomiro faria o caminho inverso da maioria dos perseguidos políticos. Enquanto todos se preparavam para voltar ao País, ele protagoniza uma fuga histórica da Penitenciária Lemos de Brito, na Bahia. Paris foi o destino final. Só em 85 retornaria ao Brasil. Em entrevista à repórter Ciara Carvalho, Theodomiro, hoje, um respeitado juiz do Trabalho, acha graça da sentença que o deixou célebre. "Só minha mãe acreditou nessa pena de morte. Aquilo foi uma cavalice histórica".

Jornal do Commercio - Você seguiu os caminhos da luta armada. Sem esse tipo de resistência, a redemocratização do País demoraria mais tempo para ser conquistada?

Theodomiro Santos - Essa é uma pergunta difícil de responder porque ela fica no terreno das hipóteses. Mas eu acho que, da forma como foi conduzida, a luta armada serviu muito como pretexto para os grupos políticos de extrema direita aprofundarem ainda mais a prática de tortura. Por outro lado, ela permitiu que a extrema direita do País mostrasse a sua face mais cruel, transformando assassinatos em política de estado. Isso provocou um desgaste muito grande do esquema ditatorial. Dentro e fora do Brasil. E pode ter auxiliado no processo de derrubada do regime militar.

JC - Como você lida hoje com o fato de ter matado alguém?

Theodomiro - De forma muito tranqüila. Foi um ato legítimo de defesa. Eu estava sendo preso para ser torturado. Correndo o risco de ser assassinado, como foram tantos outros. Pouco meses antes de eu ser preso, duas pessoas da liderança do meu partido, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), tinham sido detidas sem nenhuma reação e torturadas até a morte.

JC - E a sentença de morte? Havia o risco dela, realmente, ser cumprida?

Theodomiro - Mesmo na época, ninguém acreditava nessa história de pena de morte. Todos sabiam que era uma cretinice. Virou até motivo de piada. Acho que só a minha mãe acreditava nisso. Foi uma cavalice política sem tamanho. Tanto que depois, transformaram a sentença em prisão perpétua. Na realidade, naquela época, com o Governo duro de (Emílio Garrastazu) Médici, a decretação dessa pena foi o mote que a oposição queria para se mexer e mobilizar o País.

JC - Você fugiu do Brasil em 1979, justamente quando todos estavam voltando. Ficar no País ainda era muito arriscado naquela época?

Theodomiro - No meu caso, sim. Pouco antes da anistia, o Governo diminuiu a pena de vários presos políticos, permitindo que muitos saíssem da prisão. Com a redução das penas, eu também deveria sair em liberdade condicional, mas o meu pedido foi negado. Resultado: eu seria o único preso político a continuar na cadeia. E havia muitos boatos de que a minha vida estava ameaçada. Boatos reforçados pelas declarações do então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, que chegou a dizer, com aquele estilo irônico e cínico dele, que ficava muito preocupado comigo porque todo mundo sabia que briga de presos era uma coisa comum na cadeia. Diante desse quadro, não havia outra alternativa para mim, senão fugir do País.

Matéria do Jornal do Commercio - 29/09/99.