O regresso antes do decreto
Antes do
general Figueiredo assinar o decreto da anistia, a maioria dos artistas já
havia retornado ao País. Caetano e Gil em 72, Chico Buarque em 74, Edu Lobo em
76. Raul Seixas passou apenas um ano nos EUA. Até Geraldo Vandré voltou, tornou
a ser preso, foi obrigado a um mea-culpa público pela TV, e acabou pirando.
Junto com os que aqui ficaram, os compositores voltaram a enfrentar a
implacável tesoura. Uma batalha bem definida pela dupla Paulo César Pinheiro e
Maurício Tapajós na música Pesadelo: "Você me corta um verso/ Eu Escrevo
outro/ Você me prende vivo/ Eu escapo morto."
Por volta de
76, a abertura lenta e gradual engrenou um beat acelerado. Permitiu que Ivan
Lins e Vitor Martins escrevessem versos em que preconizavam a queda do regime:
"Cai o rei de ouro/ Cai o rei de espadas" (Cartomante), que Gil
transformasse a dolente No Woman No Cry, de Bob Marley, em Não Chore Mais, e a
tornasse um dos hinos da anistia. Quando Elis emplacou um sucesso com O Bêbado
e a Equilibrista a tesoura já estava meio enferrujada.
Foi aí que
Maurício Tapajós compôs a definitiva Tô voltando. Esta foi que música que
celebrou com alegria a volta do irmão de Henfil e tanta gente que partiu num
rabo de foguete, e fez as marias e clarices comemorarem com samba no pé o
retorno dos anistiados: "Põe meia dúzia de Brahma pra gelar/Muda a roupa
de cama/Eu tô voltando/Dá uma geral/Faz um bom defumador/Enche a casa de
flor/Eu tô voltando".
Infelizmente,
um dos mais badalados compositores da resistência à ditadura não pode ser
beneficiado pela lei da anistia. Julinho da Adelaide, autor das páginas
imortais do nosso cancioneiro, Chama o Ladrão e Você Não Gosta de mim, foi pego
antes pela repressão. Julinho saiu da vida para entrar na história da MPB,
quando foi descoberto que ele e Chico Buarque tinham o mesmo número de carteira
de identidade.
Julinho chegou
a "conceder", em 1974, uma entrevista, hilariante, ao jornal Última
Hora, arquitetada pelo escritor Mário Prata: "Eu faço muito samba, quer
dizer, faço vários sambas por dia mesmo. Agora, tanto que o sujeito que
trabalha lá (na censura), o trabalho dele é censurar música. Então eu respeito
muito o trabalho do cara, quer dizer. Ele terminou o dia: quantas música cê
censurou hoje? Ele fala: Sete. O cara que censurou 17 vai ser promovido logo,
né? Eu também, meu trabalho é esse, é fazer samba: Quantos sambas cê fez hoje?
Oito, nove. O dia em que eu faço dez, eu vou dormir em paz com a minha
consciência."
Matéria do Jornal do Commercio -
29/09/99.